terça-feira, 29 de dezembro de 2009

OS PONTOS DE VISTA DA RAVE SOBRE A ALTA VELOCIDADE. UM OUTRO OLHAR.



I – Há uns tempos atrás – ainda na vigência do MOPTC anterior – chegou ao meu conhecimento um texto publicado pela RAVE, intitulado:

Ouve-se muita coisa – teste os seus conhecimentos.

O que é que você sabe realmente sobre a alta velocidade?

Este texto é composto por 14 perguntas, cada uma delas contendo 3 respostas antecedidas por 3 quadradinhos em branco, a preencher após a escolha de uma delas, exactamente como na escola. Havendo, também uma ajuda com comentários permitindo situar melhor as matérias em causa.

Na parte final do texto aparece a classificação dos resultados, considerando-se um ponto por cada resposta correcta.

Entre 0 e 5 pontos – Ainda tem muitas dúvidas sobre a AV

Entre os 6 e 10 pontos – Você encontra-se a meio caminho...

Entre 10 e 14 pontos – Parabéns. Você é um dos que prefere informar-se em vez de embarcar no “ouvi dizer”.

Sinceramente, julgo que a ideia de sensibilizar o público é boa, muito embora discorde da maioria das respostas correctas, como adiante se verá. O que me permite dizer com toda a deferência, ao MOPTC e à RAVE, que ainda estão muito a tempo de corrigir este texto para melhor informar os interessados.

II – As perguntas da RAVE

1 – Já havendo uma linha do Norte, é necessária uma nova linha de Alta Velocidade Lisboa - Porto?
O meu comentário: Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, a linha do Norte não está esgotada nas suas potencialidades, mas sim insuficientemente aproveitada, tanto nas suas infra–estruturas como no seu material rolante. Vejamos:

Conforme tenho vindo a escrever, neste site, desde 2003, a linha de c.f. Lisboa/Porto é a principal via ferroviária do país. Mais de 80% do tráfego de passageiros é absorvido pelos comboios suburbanos de Lisboa e Porto, o que significa que as zonas mais críticas se situam à volta destas duas cidades; por outro lado, esta linha é, em boa medida, autónoma das ligações internacionais, o que pode justificar a sua existência ainda por muitos anos.

E, sendo assim, penso que as prioridades no que se refere à construção das novas linhas de bitola europeia – essas, sim, que nos irão ligar à restante Europa – possam vir a ser os troços Porto/Aveiro e Lisboa/Azambuja. O que iria aliviar substancialmente o tráfego suburbano nestes percursos; e, na medida em que um e outro se podem enquadrar nos percursos internacionais Porto/Aveiro/Salamanca e Lisboa/Vila Nova da Raínha/Badajoz, estou certo que não haveria qualquer dificuldade em obter os subsídios da UE. Seriam a 1ª fase das novas linhas internacionais, já acordadas.

Construção esta a atacar em simultâneo, em bitola europeia, repito, e cuja extensão total não deverá exceder os 100 km; muito menos, portanto, do que a nova linha proposta entre Lisboa e o Porto. E, certamente, com resultados espectaculares no que se refere à melhoria da exploração da rede.

Devo sublinhar que a modernização da linha Lisboa/Porto está praticamente parada há quatro anos, em consequência da vontade do anterior MOPTC, que assim o quis, para mais fácil justificação do novo traçado da AV que pretendeu impor a todo o transe.

Esta modernização poderia, melhor dizendo, deveria incluir variantes ao seu traçado permitindo diminuir distâncias e alcançar velocidades comerciais mais elevadas, mediante o alargamento de algumas curvas.

Com efeito, o uso dos comboios pendulares permite atingir os 220 – 250 km/h nas linhas clássicas (convencionais) e obter ganhos de tempo da ordem dos 20%, para custos 3 a 4 vezes menores do que e a AV, esta obrigada a deslizar sobre infra estruturas inteiramente novas.

Já tive ocasião de justificar, tecnicamente, as vantagens em manter-se o canal ferroviário Lisboa/Vila Franca/Azambuja, nomeadamente nos meus trabalhos datados de 25/09/05, 24/12/05 e, mais recentemente, de 06/01/06.

Há poucos dias fiz a pé, mais uma vez, o percurso de Vila Franca a Alhandra, a zona mais problemática. A única melhoria que constatei – ignoro se em consequência dos meus apelos à Presidente da C.M. de Vila Franca – foi, junto à estação, uma construção metálica (concluída há meses) comportando 43 degraus de escadas conduzindo a uma “passerelle” sobre as linhas de c.f. e outros tantos degraus do outro lado, para descer. E, também, duas torres suportando dois ascensores ( de tamanho médio) para uso daqueles que consideram exagerado este exercício. O que é nitidamente insuficiente.

Uma tabuleta esclarece os utentes que esta obra foi orçada em cerca de um milhão e quarenta mil euros, o que considero uma verba muito exagerada; contudo, quem sabe, a REFER tem razões que a razão desconhece... .

Julgo, porém, indispensável – e simples de instalar – a colocação de duas escadas rolantes de acesso às plataformas, à semelhança do que sucede nas estações vizinhas de Castanheira do Ribatejo, Alverca e ainda outras desta linha, sendo que muitas delas apresentam um tráfego de passageiros bastante inferior ao de Vila Franca.

Tudo isto me parece estranho e denota algum desleixo. Tanto mais que, logo após a antiga fábrica do arroz, a cerca de 500 m do edifício da estação (portanto, mais próximo de Alhandra), encontra-se uma outra passagem de nível com todos os inconvenientes e perigos que isso comporta, face ao número muito elevado de comboios que aí passam e às altas velocidades de muitos deles.

Lembro aos responsáveis da RAVE que, optando-se pelo canal ferroviário de Vila Franca, no seu seguimento, é mais fácil aceder ao Entroncamento e, deste modo, às linhas que servem a Beira Baixa, assim como o Marvão, Elvas, etc. . O que permitiria, sem grandes dificuldades e por um custo mais baixo, encontrar uma solução expedita para ligar a Região de Lisboa com o Norte do país. De igual modo com o Sul e com Madrid, mediante uma ponte sobre o rio Tejo, nas cercanias de Vila Nova da Rainha.

No primeiro caso, evitava-se um desvio por Lisboa o que alonga, desnecessariamente, o trajecto directo Norte/Sul sobrecarregando ainda mais o já citado canal ferroviário.

A ponte atrás indicada teria, quanto muito, uns 700 m de comprimento ( versus 12km de extensão do viaduto Chelas-Barreiro) e, claro está, uma altura muito menor (do seu banzo inferior à superfície das águas), dadas as características da navegação.

Além do que não iria inviabilizar uma parte substancial do porto de Lisboa - actual e potencial – já para não falar na “amputação” do aeroporto do Montijo.

No segundo caso, isto é, na ligação para Madrid, o trajecto seria mais curto até à fronteira do Caia e o terreno atravessado de orografia mais favorável, praticamente sem obras de arte.

Um pouco antes do Entroncamento, sugerimos que o novo traçado da linha Norte/Sul inflectisse na direcção de Leiria, mediante um túnel com cerca de 3,5 km de comprimento, o que lhe permitiria atravessar a serra de Aire prosseguindo, depois, em direcção a Pombal e Coimbra. Traçado este que ligaria directamente a actual linha do Norte com a do Oeste e, deste modo, permitiria que uma parte do tráfego da primeira fosse desviada para esta pressupondo-se, evidentemente, a sua modernização num terreno topograficamente fácil, sem dúvida, pois bem o conheço.

Caso não se opte por esta solução e pela construção deste túnel (de dimensões relativamente modestas), lembro um outra que tenho vindo a defender há muitos anos e que consiste na construção de um troço de c.f. com a extensão aproximada de 22 km, entre Pombal e Leiria, mais concretamente entre Vermoil e esta cidade, ligando as duas linhas e aliviando assim, substancialmente, o tráfego na linha Norte/Sul.

Com o mesmo propósito de rentabilização da rede ferroviária recomendo a instalação, na totalidade desta linha, do sistema ERTMS de segurança e sinalização (aliás indispensável para a internacionalização do nosso c.f.), o qual permite lançar - sem qualquer risco e com toda a garantia – um maior número de comboios com menor espaçamento de tempo.

Pode-se, ainda, automatizar o sistema de engate, em todos os vagões; idem, nas carruagens e, também, fazer a adaptação das suas suspensões para velocidades mais elevadas.

Aumentar o comprimento dos cais nas estações (onde isso se justifique) e implantar linhas de desvio que permitam o estacionamento dos comboios mais lentos permitindo, deste modo, a sua ultrapassagem pelos mais rápidos.

A adopção destas medidas, no seu todo ou em parte, permitiria aliviar substancialmente a pressão do tráfego na linha Norte/Sul. Tudo o que acabo de referir é do conhecimento de qualquer ferroviário, é mesmo elementar, muito embora seja ignorado (segundo parece) pelos responsáveis da RAVE/REFER.

Lembro, finalmente, que muitas das operações relativas ao material rolante poderão ser efectuadas nas oficinas da CP que tem conhecimentos e meios para o fazer. Aliás, o mesmo direi no que se refere à construção de vagões e carruagens, o que seria uma forma correcta de combater a crise através da recuperação económica e do emprego; mas, para isso, torna-se indispensável o planeamento rigoroso daquilo que se pretende.

No que se refere às características das catenárias e pantógrafos e à sua adaptação para novas condições de tráfego e velocidades, é sabido que a indústria nacional está em condições de fornecer e instalar o equipamento necessário, em condições aceitáveis desde que atempadamente solicitada.

O mesmo se passa com a colocação do balastro cujas características deverão ser rigorosamente fixadas e aceites, sob pena de custos excessivamente elevados na sua manutenção ou, até, paralisação da via. Com a Alta Velocidade não se brinca.

Saliente-se que o fornecimento da brita, pelas quantidades exigidas, é algo de essencial e com repercussões muito fortes no PERT das operações.
As travessas (bi-bloco com travamento metálico, ou monobloco de betão pré-esforçado), com pesos individuais superiores a 200 kg, podem igualmente ser fabricadas em Portugal e colocadas em estaleiros situados ao longo do traçado, em quantidades enormes (1666 travessas por km de via).

O carril recomendado para estas velocidades muito elevadas é o UIC 60, tipo B, mais duro, que terá de ser importado e aqui soldado (ler o meu texto de 03/09/07 – O NOVO RECORDE MUNDIAL DE VELOCIDADE NOS CAMINHO DE FERRO E A ALTA VELOCIDADE).


2 – Não me parece correcto dizer que, com a AV, o tempo de percurso na viagem entre Lisboa e o Porto vai ser reduzido para menos de metade do tempo actual, ou seja, 1 h e 15 m, numa viagem directa.

O meu comentário: Esta afirmação é intelectualmente desonesta na medida em que o Alfa Pendular tem três paragens intermédias (Coimbra, V. Nova de Gaia e Aveiro). Suprimindo estas, numa viagem directa (2 h e 37 m actuais) que serve de termo de comparação com a AV, este tempo poderia baixar facilmente para as 2 h e 22 m e, sem qualquer esforço, para perto das duas horas de trajecto no caso de se completar a modernização da linha Norte/Sul, em má hora travada pela anterior equipa do MOPTC.

A velocidade média comercial proposta pela RAVE irá ser, aproximadamente 240 km/h.

Pergunto: se o objectivo é “bater” o automóvel ou o avião, porquê esta velocidade (superior à praticada na recente linha entre Madrid e Barcelona; ou entre Paris e Bruxelas; ou entre Paris e Metz; ou entre Paris e Londres, etc.), com os custos que se conhecem? No meu texto de 11 de Maio passado e na sequência de muitos outros, expliquei minuciosamente os tempos gastos nas diferentes modalidades de transporte e concluí que o c.f. – fiável, seguro e, espera-se, pontual - pode ser uma alternativa perfeitamente válida ao transporte rodoviário ou por avião, dado que os tempos praticados são concorrenciais e os preços substancialmente inferiores. Com a enorme vantagem das duas estações terminais estarem bem inseridas no tecido urbano.

3 - À pergunta “ Com tantas estações que vão ser criadas, vale de alguma coisa a Alta Velocidade?”

O meu comentário: Concordo que se possam considerar comboios directos e outros que poderão parar, alternadamente, nas estações intermédias.

Contudo, há que ter presente que as estações de AV, pela sua funcionalidade, são muito caras. Já citei muitos exemplos.

Por outro lado, acrescento, é necessário que não estejam localizadas muito próximas umas das outras, o que iria penalizar fortemente as velocidades comerciais e, então, lá se iam as vantagens da muito alta velocidade. Tenho vindo a expor isso mesmo, desde Maio de 2003, com exemplos concretos e também, mediante uma simulação teórica.

4 – À pergunta “ Que tipo de preços serão praticados nos bilhetes”, a RAVE responde que estes vão ser diversificados de acordo com o tipo de serviço e acessíveis para a grande maioria das pessoas; e avança com alguns números: Lisboa/Porto – 40€, em AV; 39,50€ no Alfa Pendular; 145€ no avião e 50€ no automóvel.

O meu comentário: Fixar tarifas médias para uma linha de AV inexistente (Lisboa/Porto) e insuficientemente orçamentada conforme tenho vindo a denunciar, também não me parece correcto.

Seria desejável que essa comparação, envolvendo vários meios de transporte, dissesse respeito a vários países da Europa onde se pratica a AV já que, em termos relativos, as diferenças não serão tão grandes, de país para país.

Dizer que os preços que irão ser praticados serão acessíveis “para a grande maioria das pessoas” é pura especulação, ou revela muita ignorância quanto à situação portuguesa, no contexto europeu, mais concretamente no que se refere ao seu baixo nível de vida.

Preços esses que eu conheço bem e tenho divulgado neste site. Insistir nos 40€ para o trajecto Lisboa/Porto é pura fantasia que, a concretizar-se, iria aumentar substancialmente os défices crónicos da CP, já falida tecnicamente... .

5 – A RAVE interroga se “A AV vai beneficiar ou prejudicar as gerações futuras?” e esclarece que só cerca de 37% do investimento na linha é que vai ser pago pelo Estado Português e pelos seus contribuintes (do restante bolo, 18% será pago pelos fundos comunitários e 45% pelos lucros da exploração). Mas, sobretudo, acrescenta que serão as gerações futuras a usufruir... .

Os meus comentários: Os fundos comunitários exigem contrapartidas. E se não houver lucros na exploração? Como sucede em muitas Auto-Estradas que apresentam fluxos de utentes muito mais baixos do que os previstos nos respectivos projectos? É sabido que a diferença irá ser paga pelo Estado Português, isto é pelos contribuintes. Mas não é tudo.

Citando novamente a RAVE mas, agora, num seu relatório de contas, “... de modo idêntico a projectos ferroviários similares, o investimento é alto e o “cash- flow” operacional não é suficiente para cobrir os custos de investimento conduzido a um défice financeiro que se espera ser coberto pelo conjunto de garantias da UE e suporte estatal”. E, mais adiante: “O suporte exacto do Estado está anda para ser determinado...”, uma vez que está dependente de vários factores, entre eles: “Confirmação das garantias da UE e da avaliação do financiamento do EIB... desenvolvimento do sector privado e análise do financiamento aplicável e custo do financiamento (os sublinhados são meus).

Isto são afirmações com cerca de dois anos e, portanto, ainda antes da crise declarada - e aceite como tal – pelo Sr. Ministro das Finanças. Limito-me a frisar que elas dispensam comentários e estão ao alcance da maioria das pessoas, nomeadamente os economistas.

Entretanto, como é do conhecimento geral, as agências de cotação de risco (“rating”) colocaram a dívida pública portuguesa em vigilância negativa, o que significa que - se houver empréstimos – estes serão muito mais caros, isto é, os juros a pagar serão mais elevados.

Não é por acaso que a taxa de execução do QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional) ronda os 7%, dado que um dos factores que contribuíram para os baixos resultados deste aproveitamento foi a fraca capacidade de investimento dos promotores privados e outras entidades públicas (autarquias). É a crise.

Também não é por acaso que, na avaliação anual do prestigiado “Finantial Times” o Ministro das Finanças Teixeira dos Santos foi colocado em 15º lugar numa lista de 19 ministros europeus, como um “sobrevivente com dificuldades perante uma economia estruturalmente fraca e um défice crescente”. É a crise.

6 – À pergunta, se “ a exploração do serviço de Alta Velocidade será rentável”, a RAVE responde que sim. “As receitas previstas superam claramente os custos operacionais”

O meu comentário: Antes de mais, constato que a RAVE omite o custo do empreendimento e fala, unicamente, da exploração. Conforme tenho vindo a escrever, as estimativas das obras estão geralmente subavaliadas e a factura acaba por ser substancialmente mais elevada; infelizmente é a regra. Haja em vista que há obras indispensáveis e muito caras de que não se fala, de momento: por exemplo: o centro técnico de assistência, muito especializado, necessário para a manutenção do material rolante da AV (com um custo de algumas dezenas de milhões de euros) e, também, algumas novas pontes (Vouga, Mondego?) entre as quais saliento uma nova ponte sobre o rio Douro cuja construção justifiquei.

A questão, ainda em aberto, é se se mantém a validade dos estudos técnico-económicos (?), ou de custos-benefícios que serviram para justificar este empreendimento? Porque não dizem, claramente, que a rentabilidade apregoada só diz respeito a uma parte da exploração da alta velocidade “esquecendo” o investimento inicial?

E, mesmo assim, com uma rentabilidade muito mais baixa se, comparada com a VE; e com custos anuais de manutenção muito superiores. Já para não falarmos nos custos iniciais das respectivas composições ( um comboio de VE custa cerca de metade de um outro de AV (ver meu texto de 11/05/09).

Concluindo, direi que a exploração do serviço de AV poderá ser rentável, em Portugal, se pusermos de parte as despesas elevadíssimas de 1º estabelecimento e só nos reportarmos às de exploração.

Mas... , para um número de passageiros mais elevado, especialmente no que se refere à linha Lisboa/Madrid na qual, no dizer da ex-Secretária de Estado dos Transportes “ a procura poderá ser de 6,1 milhões de passageiros no seu primeiro ano de funcionamento e possa atingir os 9,3 milhões de passageiros, 20 anos depois”.

Números estes que não recomendam a adopção da AV a 350 km/h e estão muito abaixo dos recomendados por vários especialistas de c.f. espanhóis e franceses ( Prof. Miguel Boggarin, Prof. Ginés de Rus, Philippe Rouvillois e Martinand, entre outros).

7 – Prosseguindo com o seu inquérito, a RAVE pergunta se “A adopção do regime de parcerias publico-privadas (PPP) será vantajosa? “Logo de seguida responde afirmativamente “Sim, porque permite acelerar a obra e promover maior eficiência nas fases de construção e manutenção”.

O meu comentário: a adopção deste regime pode (ou não) ser vantajosa, em condições normais, na medida em que permite diluir os encargos do Estado. Porém, a experiência demonstra que, em Portugal – nomeadamente nas estradas e, também, no viaduto Vasco da Gama – há um aumento significativo dos custos do financiamento e uma “passagem” descarada dos riscos do empreendimento para o Estado, isto é, das responsabilidades que deveriam competir ao empreiteiro.

E, sendo assim, parece-me evidente que seria mais vantajoso a abertura de um concurso público englobando as condicionantes que mais interessam: manutenção das linhas e do material circulante por um determinado período de tempo, formação do pessoal especializado (nomeadamente maquinistas) , etc. .

Com efeito, é sabido que os Estado consegue financiamento em condições melhores do que a Banca, nomeadamente nas actuais circunstâncias. E esta, devido à falta de liquidez por sua vez, vai pedir o dinheiro emprestado à Banca estrangeira em condições cada vez mais gravosas de juros.

E, regra geral, com o aval do Estado Português!

Por outro lado, já tive várias ocasiões de alertar para situações anómalas, mais recentemente, relatando o que se passou na SCUT do Grande Porto ganha pela AENOR do grupo Mota-Engil ( ver o meu texto de 11/05/09).

Porém, muito antes relativamente ao contrato de concessão assinado entre o Estado e a Lusoponte, o Tribunal de Contas informou que o valor que reverte para o Estado, no contrato inicial “é razoável”, num intermédio, é “insuficiente” e, no acordo global agora em vigor “muito insuficiente”. Alguém foi responsabilizado por este despautério? Que se saiba, não.

8 – À pergunta se a AV vai criar postos de trabalho nacionais, direi que a resposta da RAVE é totalmente alheia à realidade: 100.000 na fase de construção e 56.000 postos de trabalho permanentes.

O meu comentário: Poucos responsáveis, na verdadeira acepção do termo, terão o desplante de apoiar estas afirmações, penso eu, tanto mais que as grandes empresas construtoras, modernas, apoiam-se sempre numa forte mecanização que lhes garanta uma maior competitividade permitindo-lhes, assim, baixar os preços e os prazos de execução. Para isso concorrem geralmente associadas com outras empresas congéneres, complementares, dispondo de máquinas, equipamento e pessoal altamente especializado.

E mal de nós se estas linhas de c.f. garantissem os 56.000 postos de trabalho permanentes, número este que pela sua enormidade levaria mais depressa a CP à ruína total. Encontram-se disponíveis, caso queiram, os números correctos relativos ao número de trabalhadores, por km de linha, em muitos países da Europa.

9 – Quando a RAVE pergunta se “ Faz sentido pensar na Alta Velocidade em altura de crise? A resposta é um pouco enigmática: Crise? Qual crise? Ponham os olhos no Real Madrid. Confesso que não percebi .

O meu comentário: Antes desta crise - que infelizmente existe e não pode ser negada – Portugal viveu cerca de 6 anos em estagnação contrariando, assim, a maioria dos países da UE que, entretanto, cresciam.

Admitindo que a retoma desta situação tenha o seu início, timidamente, dentro de dois anos, o facto é que não haveria qualquer retorno durante os anos da construção desta linha de c.f. (5 anos, se não for mais). E, seguidamente, só após um período de 5 a 6 anos de exploração é que, eventualmente, haverá algum retorno que compense esses gastos.

E só estes, continuando os portugueses a pagar os encargos de 1º estabelecimento (construção), muito elevados, durante muitos mais anos. Porque não fazem as contas? Porque não informam correctamente os nossos compatriotas da globalidade de todos – mas todos - os compromissos assumidos pelo Estado português, digamos, só para os próximos 20 anos?

Esconder estes números é uma deslealdade que não se admite.

E não venham com o argumento acerca de outros países que se encontram em piores condições relativamente ao défice externo ou ao desemprego. Mais uma vez, capciosamente, esconde-se a realidade na medida em que as suas potencialidades são muito superiores às de Portugal. Por ex.: A Espanha, actualmente, tem um desemprego muito maior, sem dúvida; contudo, todos admitem que a sua retoma será muito mais rápida que a do nosso país e que possa crescer a 2 a 3% ao ano, ou ainda mais, ao passo que Portugal dificilmente atingirá 1%.

O que escrevi serve para demonstrar que não é este o tipo de obra que irá ajudar o nosso país a superar esta crise. Quando esta for ultrapassada e muitos outros países a caminho de franco desenvolvimento, Portugal continuará esmagado devido ao pagamento destas obras faraónicas que pouco ajudarão a sua economia.

Tanto mais que há alternativas muito mais baratas e, conforme demonstrei em trabalhos anteriores, com diferenças de tempo, nos trajectos escolhidos, verdadeiramente despiciendas.

10 – À pergunta se “Acredita nas estimativas de procura para a rede AV?”, respondo que a RAVE deve ser mais modesta nas previsões para o futuro, na medida em que os erros que cometeu no passado são tremendos; há números para todos os gostos, basta ver a evolução das previsões de procura, ao longo destes últimos 7 anos, nas diferentes linhas de AV. O que tenho vindo a denunciar, sistematicamente.

Contrariando o optimismo excessivo da RAVE quanto ao número de utentes, lembrei que a linha de AV, entre Madrid e Sevilha, só atingiu os 6 milhões de passageiros (sendo uma parte deles em tráfego regional) 13 anos após a sua inauguração, em 1992; o Eurostar (ligando Londres com Paris e Bruxelas) só atingiu 8 milhões de viajantes, no seu tráfego internacional, em 2006 e, nesse mesmo ano, o Thalys (Paris/Bruxelas) transportou 6,5 milhões de viajantes.

Não concordam que há nítido exagero em comparar cidades como Paris, Londres, Bruxelas, Madrid, ou mesmo Sevilha, com as de Lisboa ou Porto? Pretendem ignorar a importância dos seus aglomerados urbanos e o nível de vida dos seus habitantes? Ou os fluxos turísticos que os solicitam?

Comparar Lisboa – Porto –Vigo com as cidades europeias atrás citadas é pura fantasia ou, então, muita ignorância.

11 – A resposta dada pela RAVE à pergunta se “ A AV faz sentido num país com as dimensões do nosso?” é: Sim. A AV é competitiva a partir de distâncias superiores a 100 km”.

O meu comentário: Na realidade, a AV pode ser competitiva ( de acordo com especialistas estrangeiros que falam no que conhecem), para distâncias compreendidas entre os 200 a 900-1.000 km e para servir áreas de forte densidade demográfica; vantagem esta acentuada pela crescente saturação dos outros meios de transporte, concorrentes. Para distâncias inferiores, o automóvel e o autocarro apresentam-se como sérios rivais e, para além dos 1.000 km, ou acima de 4 horas de comboio, o avião tem mais sucesso (ver o meu texto de 05/11/05).

Abro um parêntesis para afirmar, mais uma vez, que a nossa abertura à Europa passa pela mudança de bitola, adoptando a europeia. O impropriamente designado TGV (sigla patenteada pela SNCF) poderá servir para conduzir alguns abonados “señoritos” a Madrid e pouco mais. O que significa que os passageiros provenientes de Barcelona (ou outro qualquer ponto da Europa) continuarão a privilegiar o avião.

Portugal, com a forma aproximada de um rectângulo comporta, unicamente, dois polos regionais de relativa importância – Lisboa e Porto – cuja distância não ultrapassa os 400 km ( de Braga a Setúbal). No sentido transversal, o afastamento que existe entre o eixo ferroviário longitudinal Lisboa/Porto e a fronteira espanhola não deverá exceder os 180 km, na maioria dos casos.

E, sendo assim, as distâncias entre as principais cidades portuguesas permitem que a Velocidade Elevada (VE) seja aliciante, dado que a maioria das nossas capitais de distritos estão espaçadas entre os 50 e os 100 km; havendo que sublinhar, ainda, a pequena dimensão das zonas intermédias urbanizadas e a desertificação à medida que nos aproximamos da fronteira espanhola; aliás como sucede do lado de lá da fronteira.

12 – À pergunta “ Em que outros países há ou haverá AV?” a RAVE informa que já existe em 13 países e está a ser implementada noutros 30.

Esclarece, ainda, que “ela teve a sua origem no Japão e, na Europa, a Itália e França foram pioneiras, seguindo-se a Espanha, Alemanha e Bélgica, sendo um projecto à escala europeia que envolve a generalidade dos países (Suécia, Reino Unido, Holanda).No resto do Mundo, além da Coreia, onde também já existe, países tão diferentes como o Brasil, Marrocos ou os Estados Unidos têm planos em curso para a implementação da Alta Velocidade”.

Direi que a confusão é total. Está-se a comparar alhos com bugalhos; se não vejamos:

A Directiva 96/48/CE de 23/07/96 estabelece as condições necessárias para realizar, em território comunitário, a interoperabilidade dos sistemas ferroviários transeuropeus de AV; assim, a nível de infra – estruturas, há três categorias de linhas:

Cat 1 - Linhas especialmente construídas para AV, para velocidades geralmente iguais ou superiores a 250 km/h;

Cat 2 - Linhas especialmente construídas para AV, para velocidades da ordem dos 200 km/h (aquilo que eu designo por VE, para evitar confusões, tanto mais que estas linhas permitem o tráfego misto, o que não sucede com as anteriores.

Cat 3 - Linhas especialmente construídas para AV, mas de natureza específica devido a condicionalismos de orografia, relevo ou meio urbano e nas quais a AV deverá ser adaptada a cada caso (lembro que, também, nos túneis ou nos viadutos as velocidades abrandam, substancialmente, por razões de segurança).

A AV é, portanto, um conceito muito alargado admitindo, por vezes, o tráfego misto ( v. máximas da ordem dos 220 -250 km/h), como sucede em Espanha, Suécia ou Reino Unido, ou, então, a muito alta velocidade com v. máximas superiores a 250 km/h – só para passageiros – como sucede também em Espanha, França, Reino Unido (aliás num só caso, com cerca de 90 km de linha LGV servida pelo EUROSTAR), na Alemanha, Bélgica (na sequência do Thalys proveniente de Paris), Itália e Suíça ( um só troço de 67 km de Berne a Olten).

As linhas LGV, e só elas, permitem v. máximas superiores a 250 km/h; quando esses comboios passam para as linhas clássicas melhoradas, na sequência e complementaridade das primeiras, como sucede na Suíça, Áustria, Holanda, etc., as suas velocidades baixam substancialmente para um máximo que não excede, geralmente, os 200 km/h.

Portanto, a AV que a RAVE pretende adoptar (v. máximas de 300 km/h na linha Lisboa/Porto e 350 km/h na de Lisboa/Caia) pouco tem que ver com as praticadas em muitos países europeus já por mim citados, onde essas velocidades não ultrapassam os 200 – 220 km/h; é o caso das linhas de VE espanholas que todas elas apontam para as fronteiras portuguesas de Valença, V.Formoso, Badajoz ou Ayamonte. E é importante que se sublinhe este facto, na medida em que se torna indispensável a interoperabilidade, para a internacionalização das nossas linhas.

Como os técnicos da RAVE estão, certamente, de boa fé ( e sei que alguns deles são muito competentes), atribuo as afirmações que têm vindo a público à ignorância dos responsáveis. Assim, a título de exemplo: quando se escreve que, na AV se irá cumprir “a ligação entre Évora e Lisboa em 30 m e os 167 km do troço Poçeirão – Caia em menos de 29 m”, fico perplexo e pesaroso com o tamanho deste disparate.

Com efeito, sendo assim, a velocidade média comercial entre Poçeirão e Caia será superior a 345,5 km/h, o que obrigará a velocidade máximas da ordem dos 431 km/h!.

Desculpem, mas quem é que leva a sério estas afirmações? Caso pretendam discuti-las, estou de acordo, mas publicamente.

Bem ciente destas confusões, logo a partir de 2003, neste mesmo site fiz a destrinça entre as diferentes linhas de c.f. (AV,VE e convencionais) para que se evitassem erros graves, tanto mais que não é recomendável o uso das LGV para mercadorias, contrariamente ao que sucede com a VE, na linhas mistas. É o que se passa na vizinha Espanha, p.e. .

Já agora, aproveito para divulgar que a Rússia, tendo em vista os jogos Olímpicos de Inverno a realizar em 2014, está a construir uma linha de AV( para velocidades máximas de 200 km/h) fazendo a ligação de Moscovo com Sotchi (a cerca de 2,300 km, no Sul do país), em 15 h 30 m.

E está prestes a inaugurar uma outra linha de AV entre Moscovo e S.Petersbourg, com 645 km de extensão, a efectuar em 3 h e 45m; a velocidade máxima será de 250 km/h e a velocidade média, comercial, atingirá os 172 km/h. Bem mais modestos que os portugueses, muito embora estas duas cidades excedam muitíssimo Lisboa ou o Porto, em termos de dimensão e importância.

Neste último trajecto, os comboios são fornecidos pela Siemens e, os relativos à linha de Moscovo a Sotchi, pelo grupo canadiano Bombardier.

14 – A última pergunta consiste em saber se “O troçado da ligação Lisboa/Porto pela margem direita (Norte) do Tejo é mesmo mais caro?”. A RAVE responde que” Não. Porque a solução da margem esquerda (Sul) implica uma perda de 427 milhões de euros”.

O meu comentário: Ignoro se o traçado adoptado pela RAVE, na margem Norte é mais barato do que pela margem Sul, à falta de elementos concretos.

O traçado pela margem Sul – que não aconselho – iria obrigar à construção de um ponte ferroviária sobre o rio Tejo, a jusante de Santarém e, logo de seguida, a ocupação de uma vasta área de terrenos que constituem a maior reserva aquífera nacional subterrânea, o que me parece inadmissível; e iria exigir, logo na construção dos aterros, um tratamento especial dos solos , muito caro, para neutralizar as humidades (a AV, a 350 km/h, é muito sensível à estabilidade das linhas).

Além do que, estas iriam seguir, em boa medida, uma falha sísmica a que tenho feito referência nos meus trabalhos.

E ainda, para a entrada em Lisboa, seria necessário construir um grande viaduto (Chelas-Barreiro?), com todos os inconvenientes que isso comporta e que tem sido objecto das minhas criticas continuadas.

A entrada pelo Norte, adoptada pela RAVE também me parece muito problemática pelas seguintes razões:

O troço ferroviário entre Lisboa e Alenquer, com cerca de 30 km de extensão, obriga à construção de perto de 20 km de obras de arte (túneis e viadutos), o que se traduz num agravamento sensível dos custos; e, na exploração da linha, uma forte penalização nos horários a cumprir.

Com efeito, o que poucas vezes é referido, os abrandamentos de velocidade são, aí, obrigatórios – para velocidades máximas na ordem dos 120 – 160 km/h – e, assim, irão agravar de modo apreciável os tempos de viagem ou, então, recuperar esse atraso praticando velocidades muito superiores às previstas inicialmente.

O que faria subir as despesas de exploração, restringindo ainda mais os eventuais e problemáticos lucros do empreendimento.

Por isso mesmo apresentei, há anos, uma solução que consiste no aproveitamento do actual canal ferroviário de Vila Franca, conforme os meus textos atrás indicados. De construção expedita e incomparavelmente mais barata.

III – Aceitando como bons os critérios de escolha da RAVE, é evidente que a minha classificação seria muito baixa; talvez que após a leitura dos meus comentários algo possa mudar, a meu favor.

Porém, segundo o meu ponto de vista, a RAVE não ultrapassaria os 5 pontos e, por isso, dir-lhe-ia que ainda vai muito a tempo de se informar melhor.

O que mostra bem a relatividade dos factos.

Resta-me continuar a estudar e a aprender, complementando sempre esses estudos com as possíveis viagens em c.f., na Europa. O que me permitirá continuar a falar daquilo que conheço ( o saber de experiência feito...); e, assim, evitar dar erros clamorosos nos textos que escrevo, o que alguns dos meus leitores não perdoariam. Por exemplo, e citando alguns ministros, secretários de Estado e outros responsáveis:

- De acordo com um documento destinado à 1ª Conferência Diário Económico/RAVE, publicado por este e pela ATKearny (consultores), em Janeiro de 2004, pg. 6:

Porto/Vigo seria efectuado em 38 m à v. máxima de 250 km/h

Lisboa/Porto em 69 m 300 km/h

Lisboa/Madrid em 170 m 350 km/h

Previam, para o ano de 2025, 2,1 milhões de passageiros para o 1º trajecto, 13,5 milhões para o 2º 3 5,3 milhões para o 3º. Contudo, um pouco mais adiante, na pg. 19, já se admitia que o trajecto Lisboa/Porto seria efectuado em cerca de 60 m; como, nessa altura, o projecto do traçado apontava para os 313 km, isso significa que a velocidade comercial seria de 313 km/h, o que não é admissível, na prática.

De salientar, ainda, o absurdo do tempo atribuído ao percurso Porto/Vigo, impossível de praticar num traçado misto. De salientar, mais uma vez, que os AA fasem previsões (ou adivinhas?) para o ano de 2025 evitando assim, cuidadosamente, comprometerem-se com os números relativos ao arranque da exploração que, julgo eu, são indispensáveis para os estudos técnico – económicos e, possivelmente, seriam muito comprometedores para a justificação desta linha de Alta Velocidade.

- O presidente da RAVE/REFER, nessa mesma Conferência apresentou um outro documento em que se prevê o trajecto Lisboa/Porto em 75 m. E um seu administrador divulgou estudos de mercado em que a procura de passageiros no corredor Porto/Vigo (para 2029) atingiria o total de 3.677.011 (procura nacional, internacional e em Espanha); Lisboa/Porto com 12.196.630 milhões (longo/médio curso e tráfego intermédio) – procura esta relativa a 2033; e Lisboa/Madrid com um total de 9.312.077 (procura nacional, internacional e em Espanha).

Repare-se no preciosismo dos números (até às unidades) e, evidentemente, no exagero dos mesmos. Quanto às datas, direi que muitos já cá não estarão para exigir explicações ou responsabilizar os seus autores.

- No Relatório de sustentabilidade publicado pela RAVE em 2006 e no Relatório e Contas, de 2007, pode ler-se:

Porto/Vigo, a efectuar em 60 m; nº de passageiros em 2029: 3,7 milhões.

Lisboa/Porto em 95 m; em 2030:12,2 milhões.

Lisboa/Madrid em 2 h 45 m; em 2030: 9,4 milhões.

- A SET do MOPTC escreveu na Revista “país positivo”, de Julho – Agosto de 2007 que se previam, na linha Lisboa/Madrid, 6,1 milhões de passageiros logo no 1º ano de exploração e 9,3 milhões, 20 anos depois.

Lisboa/Porto entraria em funcionamento em 2015... 75 m (ligação directa); com 12,2 milhões de passageiros... mas em 2030.

Lisboa/Madrid e Porto/Vigo entrariam em funcionamento em 2013... 165 m e 60 m, respectivamente:

Os comentários serão idênticos aos do parágrafo anterior sublinhando, porém as responsabilidades de quem agora faz tais afirmações, na medida em que desempenhou funções docentes num Instituto prestigiado e tendo coordenado, durante alguns anos, o projecto do traçado Porto/Vigo.

- Uma linha de AV entre Lisboa e Porto, compreendendo vários troços com bitolas diferentes, tornando, obrigatório o uso dos respectivos intercambiadores (com baixas apreciáveis nas velocidades comerciais), e recorrendo a material adequado, por isso “ não standard” e, em consequência, muito mais caro.

- Uma linha de AV entre o Porto e Vigo, proposta pela RAVE/REFER onde as velocidades comerciais seriam superiores à velocidade máxima praticada pelos espanhóis.

- O “esquecimento” de mais uma ponte ferroviária sobre o rio Douro, à entrada do Porto, no caso de se introduzir a AV.

- O aproveitamento da velhinha, histórica, ponte D.Maria (salvo erro construída em 1877), para aliviar o tráfego na actual ponte de S.João. Esquecendo que, entretanto, aumentaram substancialmente as cargas por eixo e as velocidades nos comboios, e que ela funcionava unicamente como via simples e com acessos condicionados às estações.

- A cobertura pública dada a determinados projectistas, consultores e denominados “especialistas”que, vergonhosamente, baseiam os seus conceitos e as suas propostas em números declaradamente errados e que já tive ocasião de denunciar (v. os meus textos de 03/04/06 e 25/04/07).

- A afirmação que a linha Lisboa/Porto está esgotada e apresentando, como única alternativa, uma nova linha ferroviária de AV; o presente trabalho e muitos outros que escrevi, anteriormente, talvez ajudem a compreender que não é bem assim.

- A construção de uma linha de c.f. para comboios de mercadorias, de bitola ibérica e paralela à de AV, entre o Poçeirão e Caia; o que, evidentemente, não serve os nossos portos provocando, a médio prazo, o seu isolamento em favor dos espanhóis; e que nos irá afastar ainda mais da restante Europa (bitola europeia) e tornar o nosso import/export, cada vez menos competitivo.

- A afirmação que “Não faz sentido que as ligações entre as duas maiores cidades do país durem 3 horas quando, por exemplo, de Bruxelas a Paris demora uma hora”

Constato dois erros num período tão curto: Primeiro, este percurso com 313 km de extensão faz-se numa hora e 22 minutos, à velocidade comercial de 229 km/h; Segundo , o percurso Gare do Oriente/Campanhã, com cerca de 330 Km de extensão demora na Alfa Pendular 2h e 37 minutos, à velocidade comercial de 126 Km/h - mas, atenção, tem três paragens intermédias, conforme expliquei, mais atrás, neste texto. –Sendo possível que este tempo possa baixar para perto das duas horas.

Esclareço que uma hora no trajecto Paris/Bruxelas equivaleria a uma velocidade de 313 km/h que não se pratica comercialmente em qualquer linha do Mundo. O máximo que conheço são 250 km/h no percurso Paris/Lyon/Marselha.

- Acrescentar o modo rodoviário ao projectado viaduto ferroviário Chelas- Barreiro, irá alongar esse percurso, entre Lisboa e o Novo Aeroporto, para 59/60 km, ao passo que o actual, pela ponte Vasco da Gama, anda à volta dos 48 km (o que já não é pouco). E serão ainda muitos mais se considerarmos a maioria dos utentes, provenientes das zonas de Sintra, Cascais e Oeiras.

- Uma outra consulta, feita pelo MOPTC, dizia respeito à possibilidade do atravessamento da ponte 25 de Abril pelos comboios de passageiros e de mercadorias da linha Norte/Sul.

Estou persuadido que, com base no conhecimento do seu projecto, nas cargas por eixo dos comboios e, também do número dos pretendidos, qualquer aluno do último ano de engenharia poderia dar a respostas correcta. Isto é: se a Ponte “aguentaria” e se o número de composições iria saturar, ou não, o canal ferroviário.

A vantagem destas encomendas é que ajudam – e muito – as empresas de consultadoria a viver e a prosperar. Pelo menos, as que são conhecidas e bem aceites.

- Por último, e para não alongar ainda mais este trabalho, lembro a ideia que perdurou durante longos meses que consistia em “plantar” a Estação Central de Lisboa nos terrenos do aeroporto da Portela. Segundo parece, era um sonho... .

Que foi prejudicado, claro está, pelo problema das cotas (altimetria) que impediam a ligação de todas as linhas de c.f., a AV e as convencionais. Mesmo à custa de um túnel em Chelas e de uma monumental estação subterrânea. Já para não falar nas complicações urbanísticas que adviriam para a cidade de Lisboa.

A ideia, entretanto, faleceu e, agora os projectos são outros, muito embora não totalmente conhecidos.


IV – Termino, felicitando o MOPTC por ter decidido criar um grupo de trabalho no âmbito da Inspecção – Geral de O.P.T.C., com vista ao combate à corrupção.

E uma vez que foi decidido – e mal – pela anterior equipa desse ministério, acabar com o Conselho Superior de O.P. e Transportes, faço votos para que a actual possa dar um apoio reforçado ao Tribunal de Contas que tem feito obra meritória para tentar travar este flagelo.

Lembro, também, que não dispomos em Portugal de uma Autoridade Estratégica para os Caminhos de Ferro e, por outro lado, as altas chefias dos organismos ferroviários são muitas vezes escolhidas pelas suas afinidades políticas, o que nem sempre corresponde ao conhecimento suficiente da matéria. E, assim, enquanto ela não existe, sugiro a existência de uma “think-tank” – rigorosamente independente – a que o Ministro possa recorrer nos casos mais difíceis ou controversos.


H.Oliveira Sá, 9 de Dezembro de 2009


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Existem Alternativas melhores ao TGV

As 10 Falácias do TGV.

Eu sou a favor do TGV. Não sou um neo-ludita, antes pelo contrário. Ganho a vida a fazer, usar, ensinar, vender tecnologia. Sou luso-francês, tenho amigos que desenvolvem software de controlo para o TGV francês e belga, trabalhei em empresas que poderão lucrar com o TGV português. Sou a favor que uma tecnologia de transporte ferroviário rápido e eficiente seja uma realidade em Portugal. Mas, não a qualquer custo, e muito menos pelos valores que estão a ser apresentados aos contribuintes portugueses. Não desta forma.

Aliás esta questão do TGV faz lembrar aquele episódio dos Simpsons “Marge vs Monorail”, em que um vendedor da banha da cobra, acabou por conseguir impingir um projecto de monorail aos habitantes da cidade de Springfield. Pelo menos nesta ficção, os cidadãos puderam pronunciar-se em assembleia municipal, e com excepção da cautelosa Marge, acabaram por votar a favor. Escusado será dizer qual foi o resultado desta história ficcionada, a cidade ficou na ruína financeira, e o monorail acabou por cair no esquecimento.
Acho que vale a pena ouvir esta música, que está na Internet (ir ao youtube.com e procurar por “monorail song”). Senão, também se pode dar uma voltinha ali a Oeiras, e apreciar um monorail exemplificativo de dinheiro público mal gasto… outro projecto esquecido.
Mas vamos à realidade, no caso da decisão de avançar com o projecto do TGV, esta possibilidade de democracia directa não é dada aos nossos cidadãos, seja através de referendo ou outra consulta, por isso o debate pros e contras é infrutífero, ou quase… em Setembro ou Outubro veremos o que nos dizem os politicos. A decisão [de construir o TGV] está tomada à revelia dos portugueses, até porque dificilmente se pode falar num projecto monolítico de TGV mas, antes de vários projectos de TGV: existe a ligação Lisboa- [Sines]-Madrid, a de Lisboa-Porto, a de Porto-Vigo, ou mesmo a de Faro-Huelva! (e as outra para Salamanca que por agora parece esquecida.)

Com toda a sinceridade, ainda não percebi o propósito desta formidável discussão, à la “prós e contras”, que se instalou nos nossos média e até no discurso político acerca do TGV, quando se sabe que a decisão de investimento neste projecto está mais do que tomada, com o aval dos grandes partidos (embora o PSD o negue, mas quando era governo tomou medidas decisivas vis-a-vis o projecto de desenvolvimento do TGV), da actual comissão europeia, das grandes empresas… Já ninguém pára este comboio. Se calhar nem com uma petição popular, como aquela contra “mais contentores” devido às obras de ampliação do porto de Lisboa, e tenho sérias dúvidas acerca da posição anti-TGV do PSD, não só porque é incoerente com o seu passado governativo, como me parece apenas uma manobra pré-partidária.

Como se viu nesta questão, a vontade popular, ou mesmo das chamadas elites iluminadas, ou dos famosos “think tanks” portugueses, não foram chamadas para a questão do TGV. Mesmo aqueles, que acreditaram que politicamente se poderia parar o TGV, e foram atrás da fantástica promessa eleitoral de Durão Barroso, de que “enquanto houver crianças em lista de espera não há TGV nem novo aeroporto” se devem ter sentido enganados… em véspera de novas eleições, o discurso da actual liderança PSD soa, e vão-me desculpar o francesismo a dejá vu.Seja como for, o TGV ainda não é uma realidade palpável (felizmente adiado, vamos ver de que forma e como). Mas, pensemos bem no que está em jogo: só as obras de TGV actualmente planeadas:

- TGV Lisboa-Madrid (3500 milhões)
- TGV Lisboa-Porto (4000 milhões)

totalizam portanto cerca de 7500 milhões de euros, isto para não falar do recém-anunciado TGV Porto-Vigo, acertado na última conferência luso-espanhola em Zamora, e das linhas Faro-Huelva e Aveiro-Salamanca que para já, estão fora do pacote. O TGV corresponde portanto, a um investimento de cerca de 4,6% do PIB português (quase 6 vezes o investimento anual em I&D feito em Portugal, que se cifra nos 0,78% do PIB).
O valor real do investimento, esse, saber-se à depois da obra feita e das inevitáveis derrapagens orçamentais (que nos projectos internacionais de TGV excedem em média os 30%).

O “TGV” é por isso, e sem sombras de dúvidas, o negócio do século XXI em Portugal. Alguém dúvida disto? Parece-me que não. Por isso é que interessa tanto aos principais partidos, seja ao PS, ou ao PSD, embora este último tenha um discurso politico menos efusivo em relação a este projecto. Se for governo, logo veremos…
E o resto? Os enormes custos operacionais do projecto? O resto, pagam os portugueses e os que estão para vir. Então, e a nossa dívidaexterna? Essa, também é pequena e além disso bata incorporar a lógica do “logo se vê”, porque nós também nunca fomos muito bons a fazer contas de longo prazo de qualquer das formas.
Este negócio do TGV interessa a toda a gente, menos ao contribuinte e aos portugueses em geral. Fazendo a declaração dos interessados:

- Gabinetes de projecto, para quem o TGV ainda antes de o ser, já o era em projectos, estudos, estudos aos estudos, obviament auto-justificativos. Afinal existe um conflito de agência , entre quem os faz e o objecto de estudo. (A autoridade de quem faz o estudo é crucial como se viu no caso aeroporto da OTA versus Alcochete, que acabou por ser realizado no LNEC. Porque não um estudo TGV versus outras soluções e alternativas?)

- Gabinetes de consultadoria de planeamento de transportes.

- Empresas portuguesas e estrangeiras de engenharia e projectos.

- Às construtoras civis que agora com a crise no imobiliário e contracção do sector privado estão à brocha e a usar a força de lobb para forçar obra pública.

- Às empresas estrangeiras que vão vender a consultoria, o material circulante e outro equipamento operacional, em modalidade chave-na-mão e com engenhosos esquemas de vendor lock in. Afinal de contas, uma pipa de massa, que os franceses ou os alemães vão fazer à nossa custa … mérito próprio da suas campanhas junto de Bruxelas e São Bento.

- Às empresas de distribuição e de produção de electricidade (sim é verdade, o TGV consome uma quantidade significativa de energia e nem sequer é um meio de transporte particularmente eficiente face à ferrovia tradicional.)

- Aos proponentes à concessão, que terão salvaguardados os seus interesses, visto que o estado pagará durante o período em causa o diferencial entre a lotação e capacidade máxima – é uma espécie de portagem ferroviária, em que os comboios andaram sempre virtualmente cheios, mesmo que na realidade estejam vazios.

- Aos vendedores de créditos de carbono, que sabem que o país terá de importar mais carvão e gás natural para alimentar a rede de TGV.

E isto para não falar da eterna questão das expropriações e da lista interminável de intermediários que se vão chegar à frente, por isso já ninguém consegue mesmo parar o TGV.

Sobre o TGV, seus custos e proveitos importante realizar um debate aprofundado, sem pressas. Se a UE quiser os fundos de volta, que sejam renegociados para outros fins, como a criação do hipercluster do mar.Importa travar esta megalomania. Infelizmente, o TGV tem vindo a ser vendido internamente com base num conjunto de falácias. As que tenho vindo a identificar são basicamente estas:

Falácia nº1: O TGV é bom para a economia nacional

Parece-me que o melhor para a economia nacional é não gastar dinheiro com elefantes brancos, vejamos as crises financeiras que abalam hoje diversos países europeus. Não seria melhor sermos mais prudentes nestes gastos que sobrecarregam a nossa divida externa?

Falácia nº2:
Não vale a pena acabar as obras de modernização da linha do Norte, porque o pendular nunca irá atingir a velocidade de cruzeiro de 220 Km/h.
Escrevi parte deste texto, numa viagem de Alfa pendular entre Coimbra e Lisboa. Perto de Santarém viajamos a 229Km/h. Agora, repare-se que este sufismo é dito pelas mesmas pessoas que afirmam categoricamente que tínhamos toda a capacidade de engenharia civil para construir um aeroporto sobre estacas na OTA, mas pelos vistos somos incapazes de melhorar uma linha férrea, construída por engenheiros franceses emmeados do séc. XIX. Depois de já se ter gasto o que se gastou, e renovado uma parte significativa da extensão da linha. Agora é que paramos? Não parece fazer sentido.

Falácia nº3: O TGV é um transporte “moderno”

A verdade inconveniente, mas que nos meios da engenharia de transportes é bem conhecido, é que de facto o comboio pendular é um transporte mais moderno, no sentido cronológico do conceito. O TGV é uma aproximação de força bruta, idealizada nos anos 50 à problemática do transporte ferroviário, quando a energia era barata, e em que à custa de muito mais energia temos mais velocidade (a relação entre energia dispendida e velocidade é exponencial). O pendular foi desenvolvido posteriormente, na sequência da crise energética, na década de 70 e 80 e é uma resposta elegante às problemáticas levantadas pelo TGV. É uma solução de compromisso entre velocidaderelativamente elevada e adaptação dos meios ferroviários convencionais existentes, e que usa as leis da física eficientemente.

Falácia nº4: Portugal tem que estar ligado à rede europeia de alta velocidade ou a famosa táctica do medo: “não Apanharmos o Comboio”
Eu confesso que esta é a minha favorita, porque é uma daquelas pérolas das frases feitas com autoridade moral de quem as diz. Tem que ser assim porque sim. Pronto, não carece de argumentação. Como se uma linha de transporte de TGV sobretudo orientada para passageiros fosse o mesmo que um gasoduto – entram pessoas de um lado e saem pessoas do outro. Mas, pensemos um pouco acerca disto: a ligação internacional do TGV faz-se por causa de Madrid, ou seja, em termos de transporte de passageiros o TGV não é feito para ligar à rede europeia, mas sim para ligar a Madrid (esta é a unica distancia minimamente competitiva com o avião). É completamente irrealista pensar que o TGV é concorrencial para distancias superiores as 700Km, ou que vamos a Paris ou Londres de TGV, porque não é, aliás este é um facto reconhecido pelos próprios defensores TGV a nível internacional. Enquanto, os tais 500-700Km do raio de acção óptimo do TGV permitem atingir um conjunto de centros urbanos considerável no densamente povoado eixo do cento europeu, aqui na península, dá para chegarmos a Madrid. Mesmo assim ficamos a 3h30 de TGV de Madrid, enquanto demoramos cerca 2h00 de avião c/ check-in informático, e com muito mais boa vontade temos Barcelona a 7h-7h30 de TGV e a 3h de avião c/ check-in informático.

Falácia nº5: “TGV vai revolucionar o transporte de mercadorias”

Isto parece-me um absurdo. O TGV não tem grande utilidade para a generalidade das mercadorias. O que as empresas precisam é de um sector ferroviário convencional eficiente, com empresas de transporte de ferrovia, quer sejam de matriz pública ou privada que lhes ofereçam serviços capazes, confiáveis, regulares e a preços competitivos.

Falácia nº6: “Lá fora têm TGV então nós também temos de ter” ou “ficamos atrasados em relação aos espanhois.”

A verdade é que quase nenhum país periférico como Portugal, adoptou ou pensa vir a adoptar o TGV nos seus territórios, nem na Suécia, nem na Noruega, nem na Finlândia, nem sequer na Dinamarca (os escandinavos, esses”modelos” ficam sempre de fora nestas modas. Sem grandes receios de “perder o comboio”.) É também o caso de países centrais, mas pequenos como o nosso, os suíços (com excepção das terminações internacionais a Genéve, negociadas com França e a de Zurique, paga pelos Alemães), os Irlandeses (razões óbvias de insularidade), os Austríacos… repare que todos estes países, teriam condições materiais e tecnológicas para avançar com o TGV, mas preferiram não o fazer, adoptaram antes os seus modelos pendulares ou de velocidade elevada (semelhantes ao nosso Alfa), e escalaram ou adaptaram a tecnologia àssuas idiossincrasias nacionais, fazendo reverter os ganhos de forma mais ou menos efectiva, consoante o caso, para as suas indústrias nacionais.

Falácia nº7: “O TGV é mais ecológico.”

Em relação ao quê exactamente? Mesmo não considerando o impacto ecológico, social e de degradação da qualidade de vida das populações afectadas directamente pela construção da rede férrea, o TGV implica um redesenho da rede de distribuição e fornecimento de electricidade, e quando comparado com o pendular numa base KWh o TGV perde pelo simples facto de ser menos eficiente, especialmente em percursos relativamente curtos, como seria o caso da ligação Porto-Lisboa, com pelo menos três paragens previstas em Leiria, Coimbra e Aveiro. Além de que a operação do TGV tem custos escondidos, na rede eléctrica nacional, no aumento da produção eléctrica, o que faria aumentar ainda mais a nossa factura e ineficiência energética.

Falácia nº8: “Não interessa olhar os custos mas antes os proveitos”

Sim senhor, genericamente de acordo. O problema é que ainda ninguém conseguiu fazer um plano de negócios suficientemente sólido para o demonstrar. Se o TGV fosse realmente rentável, não faltariam investidores privados, e o estado não precisava de entrar no projecto. Mas, neste momento esta é uma hipótese virtual. Como ninguém consegue demonstrar a bondade financeira do projecto, apela-se às externalidades económicas, que são muito frágeis, ou inexistentes. O actual modelo de negócio em análise vai mais longe ao considerar que o TGV é mutuamente exclusivo com o pendular. Este sim, de facto rentável sem necessidade nem de subsídios directos, nem passageiros virtuais, e uma das poucas fontes de rendimento real da empresa pública CP.

Falácia nº9: Actualmente a ligação Lisboa-Madrid não tem proposta ferroviária de passageiros séria.

E então? Qual é o crime de não haver uma ligação séria entre estas duas capitais. Não há alternativas? E bem mais baratas, e disponibilizadas por operadores privados sem quaisquer subsídios? Vale mesmo a pena penhoramos o país por causa disto? Construindo uma rede superior às nossas necessidades. Mas, como disse anteriormente, a linha Lisboa Madrid já tem atrás de si um conjunto de acordos internacionais, e um voltar de face do governo português teria um impacto considerável na nossa credibilidade internacional. Não obstante, vale a pena pensar nas consequências geo-estratégicas da linha de TGV Madrid-Lisboa. A rede de TGV espanhola está inserida num projecto politico mais vasto resultante de um problema nacionalista e separatista que não existe me Portugal e que redunda num plano nacional espanhol mais vasto de ligar Madrid a todas as capitais províncias em cerca de três horas. O interesse do projecto TGV Lisboa-Madrid é sobretudo espanhol, dada a assimetria das duas cidades, da nossa balança de pagamentos, e ao projecto que lhe estará subjacente, de reforço da dimensão ibérica da península. E que melhor do que o mundial de futebol conjunto em 2018 para corar esta nova união?

Falácia nº10: Fabulosas contrapartidas para a industria nacional

Ainda ninguém sabe quais são, nem em que moldes serão negociadas. Se forem tão bem negociadas como as contrapartidas da Airbus com as OGMA e afins… Enfim, depois de se ter liquidado a Sorefame e respectiva fábrica na Amadora, o país perdeu efectivamente a capacidade produtiva de meios de transporte ferroviários de grande dimensão, ainda se fazem algumas coisas, mas muito longe da escala necessária para se acrescentar valor significativo no projecto de TGV… Note-se, que este é um dos argumentos pró-TGV em muitos países, o do relançamento das indústrias nacionais ferroviárias. Mas, alguém acredita que Portugal se tornaria um fabricante de TGV? – indústria de hiper intensidade de capital e conhecimento só porque vamos comprar uma duzia à Alstom? Não me parece: a industria espanhola na ferrovia resulta de decadas de aposta continuada no sector, com obvias economias de escala e dimensão industrial não extrapoláveis para Portugal.Depois temos questões as ditas conjunturais, como a de que o TGV é uma componente essencial para ajudar a relançar a economia nacional.Confesso que não estou apto a discutir estas visões neo-keynesianas da economia, mas isto parece-me aquela lógica da enxurrada de milhões de dinheiros públicos como forma de revitalizar a economia. Há também essa ideia que o investimento no TGV irá permitir às empresas portuguesas (Efacec, Mota Engil, etc) que venham a trabalhar no projecto, um balão de oxigénio financeiro. Isto é um pensamento tacanho, porque dará os sinais errados a estas empresas, fazendo-as desviarem-se das suas acertadas e relativamente bem sucedidas estratégias de internacionalização (a Efacec teve este ano, as suas melhores receitas de sempre, e sobretudo devio ao mercado internacional, e sem necessidade do TGV). Desviando-lhes a atenção e recursos para um projecto nacional, com a bandeirinha do dinheiro fácil. Como ex-funcionário da Efacec Internacional digo-lhe que isto é um erro, que apesar de bem-intencionado (nesse propósito) faz mais mal do que bem, a médio prazo.

Se a questão é investir com fins laterais aos do projecto em si, então nós conseguimos pensar em pelo menos em dez projectos de média dimensão muito mais estruturantes para a economia portuguesa a médio-longo prazo, como o de investir numa rede de transporte ferroviário convencional e de velocidade elevada realmente eficiente e adequada às nossas populações ou metas realmente ambiciosas, como a de Portugal se tornar o primeiro país neutro em carbono já em 2020 ou 2030. Há desígnios alternativos para Portugal aos futebóis e aos TGVs. Basta pensarmos pela própria cabeça e não andarmos a reboque das ideias que os vendilhões de TGVs nos querem impingir.