sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

SOBRE O RELATÓRIO DO LNEC, COMENTÁRIO E VOTOS PARA O FUTURO

A decisão de não construir o novo aeroporto na Ota foi uma decisão técnica e não política.

Posso prova-lo com a carta que a seguir transcrevo enviada ao Eng. António Guterres e publicada no “Público” de 26/6/1999 em que todos os argumentos são técnicos, (e que convido a Imprensa agora a referir.)
Política, foi a decisão de construir um aeroporto na Ota sem suporte em estudos técnicos que o justificassem e contra todas as evidências que o desaconselhavam.
Política, foi a recusa em ouvir, e o modo como foram afastados todos os técnicos portugueses capazes de ter uma opinião crítica sobre o assunto. (Refiro aqui, em particular, o Engenheiro Reis Borges, militante e antigo deputado do PS, que na véspera de morrer me deu autorização para divulgar o texto que vem publicado na pagina 159 do livro "O Erro da Ota")

Política, foi o modo como, com argumentos alguns ao nível da indigência, se afastaram as hipóteses alternativas.
Política, foi a ânsia em procurara dar passos irreversíveis antes do país se poder aperceber da sua gravidade.
Política, foi o modo como se pôs de lado a competência, os conhecimentos, a capacidade e a experiência portuguesa para a substituir por pareceres de organismos exteriores – nunca sujeitos à crítica nacional -, aceites como verdades absolutas quando convinham aos decisores políticos ( e ignorados quando não convinham).

A decisão de ouvir o LNEC foi uma decisão acertada porque, pela primeira vez, foi encarregue um organismo técnico, de dar um parecer técnico, sobre um assunto técnico, antes de se tomar a decisão política.
O LNEC nem sequer tinha experiência em assuntos aeronáuticos. Mas bastou produzir um relatório, para, um assunto que se arrastava há 10 anos, ser resolvido em 3 dias num clima de grande concordância nacional.

E agora?

Agora há que aproveitar o ensinamento, e passar a ouvir melhor os técnicos.
Há que por fim à situação de quase clandestinidade em que os técnicos portugueses foram mantidos por sucessivos poderes políticos e por uma classe política demasiado timorata e não particularmente competente.
Nem um só deputado assistiu ao debates promovidos pela Sociedade de Geografia de Lisboa e pelo Instituto Superior Técnico, em 1998 e 1999, que reuniram mais de três dezenas de técnicos, o primeiro dos quais (que foi filmado) teve 200 participantes no Salão Portugal da SGL. Nem a Imprensa se referiu a eles.

O que mudou, e fez a diferença nos últimos dois anos, foi a blogoesfera que vai certamente continuar .
Nas grandes obras que influenciarão largamente o nosso futuro, há que por fim à prática das decisões políticas tomadas antes dos estudos técnicos, e não integradas em programas conjuntos.
Neste momento, a decisão de construir uma ponte ferroviária ou rodo-ferroviária do Beato para o Barreiro, é uma decisão política, tomada sem suficientes estudos técnicos, não integrada num plano de conjunto, e com um impacto ainda não suficientemente avaliado.

A proposta de uma ponte, ou túnel, para o Montijo, apresentada no estudo da CIP, é uma simples proposta igualmente não estudada ( O traçado, apresentado neste estudo para o TGV ir passar, com uma espécie de “bossa do camelo”, no novo aeroporto (ver jornais de hoje) é nitidamente errado e obedece a uma concepção errada.)
Uma nova ponte (ou túnel) ferroviária sobre o Tejo é, em absoluto, necessária, daqui a alguns anos, mas há, pelo menos, uma outra hipótese a considerar: a da ponte (ou túnel) entre Alverca e Alhandra, provavelmente mais fácil de construir, mais barata, com menos impacto ambiental e que permite uma melhor exploração da rede.

Em qualquer caso, a decisão sobre a nova travessia não é urgente. Temos, felizmente, tempo para a estudar e ponderar a sua prioridade face a outras obras do país.
Agora que foi, finalmente, tomada a decisão sobre a localização do NAL, podemos fazer o estudo global da rede ferroviária na metade Sul do país , que inclui esta travessia, a localização da estação central de Lisboa e o traçado a Sul de Pombal do futuro TGV para o Porto.
Todos estes elementos têm de ser integrados num projecto global que tem de ser seriamente pensado e avaliado. O que não podemos, é decidir a construção do troço de Pombal a Alenquer da futura linha TGV de Lisboa para o Porto sem saber ainda como é que a linha vinda de Alenquer entrará em Lisboa. (A última versão que ouvi foi a de que entrará pelo vale do Trancão)

A curto prazo, muito provavelmente, nesta próxima Cimeira Ibérica, que se realizará este mês ou em Fevereiro, Portugal e e Espanha decidirão a construção da linha de Badajoz ao Poceirão, onde está prevista uma plataforma logística. Tenho insistido em que esta linha venha até ao Pinhal Novo, onde há uma estação da FERTAGUS. Com este acrescento, o futuro TGV para Madrid poderá começar a funcionar a partir do Pinhal Novo.

Mas, o verdadeiramente importante, é que esta linha será a nossa primeira ligação à rede ferroviária europeia de bitola standard. Como tal, permitirá o trânsito das nossas mercadorias por via ferroviária até à Polónia.
Temos assim, na nossa frente, o começo de um calendário ferroviário altamente benéfico para o país, que pode ser posto em marcha sem custos excessivos, e que, como tal, será aceite , certamente, de um modo consensual.

(11/1/2008)

António Brotas
Professor Jubilado IST


CARTA ABERTA AO PRIMEIRO MINISTRO SOBRE O AEROPORTO
(Publicada no "Público em 26/6/1999)

Caro Guterres,

Acho que lhe devo dizer que a construção do futuro aeroporto na Ota é uma decisão em absoluto errada, altamente gravosa para o país, o que com o tempo se tornará cada vez mais evidente.
Envio-lhe uma fotocópia da folha 30 D da Carta Geológica de Portugal com a indicação da implantação do aeroporto na Ota prevista pelos “Aeroport de Paris”. Esta implantação obriga a uma movimentação de terras da ordem dos 50.000.000 de metros cúbicos (cerca de 5 vezes a actual movimentação de terras anual em todo o país).

Mas, os ADP, não notaram, ou não se importaram, com o facto da implantação indicada obrigar a canalizar, não unicamente a Ribeira do Alvarinho, com uma bacia hidrográfica de 10 Km2, mas, também, a Ribeira da Ota com uma bacia hidrográfica muito maior. Esta obra, altamente contra indicada, obriga, se se insistir em construir o aeroporto na Ota, a construi-lo mais para Oeste, o que obriga a fazer uma movimentação de terras francamente maior.


Em qualquer caso, o aeroporto ficará um aeroporto acanhado, com duas pistas e sem qualquer possibilidades de expansão, o que é, de facto, confrangedor, quando se vê que está prevista a construção até uma 5ª pista do aeroporto de Barajas em Madrid, que poderá, assim, receber até 45 milhões de passageiros ano, estando já os espanhóis a prever a sua duplicação ou a sua substituição por outro que permita receber 90 milhões.


Grande parte dos acessos e do próprio aeroporto, que ficará a uma cota de cerca de 30 m, terá de ser feita sobre lodos, argilas e areias argilosas do leito de ribeiras, com cotas de 5m, que terão de ser consolidadas, obra sempre delicada, antes de serem feitos os aterros. A autoestrada, por exemplo, ainda continua a ter assentamentos na zona em que passa sobre uma pequena ribeira antes do viaduto da Ota. Uma obra destas não deve ser construída sem sondagens muito cuidadas. Enquanto não são feitas, que se procure, ao menos, a informação existente, que mais não seja ao nível dos trabalhos da cadeira de Geologia dos alunos do 3º ano do Técnico.


Os acessos, rodoviários e ferroviários, que terão de entrar pelo Sul, são, de facto, um problema complicado, que poderá encarecer muito a obra.

Note-se, que não foi ainda indicado, e não se vê facilmente onde poderão ser construídos, os parques de estacionamento de automóveis, em absoluto necessários ao lado de um aeroporto, aparentemente neste caso esquecidos. Entre os 5 e os 30 metros nem sequer sabemos a que cota ficarão.

Não parece estar ainda quantificado o custo da duplicação da autoestrada, paralela e a oeste da actual, considerada necessária para assegurar o acesso ao aeroporto da Ota. Quem viajar para o Norte pela estrada actual e olhar para a esquerda e vir o relevo não poderá, no entanto, deixar de ficar impressionado com o que poderá custar.


Não refiro aqui outras questões relacionadas com a localização do novo aeroporto umas, porque exigem uma discussão ampla e aberta, que gostaria que viesse a ser feita nos meios universitários, outras, porque exigem estudos técnicos que, depois de feitos, devem ser sujeitos à crítica dos especialistas ou, pelo menos, de quem os entenda. São exemplo, os estudos sobre segurança aérea que incluem as questões relacionadas com ventos, nevoeiros e choques com aves - é impressionante a ligeireza e superficialidade com que vejo referir esta última questão, e usa-la como argumento sem apoio em dados ou estudos minimamente suficientes.


Limitei-me a apresentar elementos, que penso suficientes, para excluir, desde já, a localização na Ota. Quem não tiver esta opinião, o que tem a propor é a continuação dos estudos, da solução da Ota e da solução do Rio Frio. Se, porventura, os estudos aprofundados da solução do Rio Frio, que tem, aliás variantes, vierem a desaconselhar esta solução, o que há a fazer é estudar outras soluções que o país, felizmente, tem outras possíveis.

O que não admissível, é com estudos superficialmente referidos e mais do que insuficientes, eliminar desde já a solução Rio Frio e, deste modo, pretender fazer aceitar a solução da Ota, que tem os gravíssimos inconvenientes referidos no início desta carta, que ninguém rebateu.

O Guterres, como eu, é engenheiro. É Primeiro Ministro, mas o país é tanto meu como seu. Escrevi esta carta procurando usar uma linguagem de engenheiro. Mas, pode crer, sinto-me triste e inquieto ao ver hoje no título de um jornal, uma notícia que, a ser verdade, não tenho dúvida, prejudica e inferioriza muito o meu país. (24/6/99)

Com as melhores saudações subscrevo-me

António Brotas



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