sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

RAVE Exerce Pressão sobre o Ministério do Ambiente

Construção deve preparar-se para o desafio do TGV


"Do ponto de vista da RAVE-Rede Ferroviária de Alta Velocidade, o TGV é um projecto extraordinariamente interessante para o País" e que foi concebido "de forma a que possa ser atractivo, pelo que os agentes do sector da Construção "devem preparar-se para responderem a este desafio", referiu Carlos Fernandes em entrevista ao "Jornal da Construção".Embora "as conversas que vamos mantendo com os players nacionais nos dêem uma ideia clara que o mercado está, de facto, a agrupar-se e a preparar-se para responder a este desafio", é preciso ter em conta que, "de certa forma, não tem havido muita experiência de construção ferroviária em larga escala nos últimos anos, pelo que é necessário algum trabalho de preparação", acrescentou. Já no que concerne ao modelo escolhido para a execução e desenvolvimento da rede, as PPP (Parcerias Público-Privadas), Carlos Fernandes considera que "a indústria portuguesa está claramente apta para reagir".

Os grandes objectivos da RAVE, a curto e médio prazos, são a definição dos traçados e a apresentação ao Ministério do Ambiente e ao Governo, respectivamente, dos estudos de impacte ambiental e do modelo de negócio, etapas estas que "estão, em grande parte, concluídas", referiu. Já foram, mesmo, submetidos ao Ministério do Ambiente "cerca de 300 km de traçado e decorreu recentemente o processo de consulta pública do primeiro troço, de 110 km, do eixo Lisboa-Porto". No que concerne ao eixo Lisboa-Madrid, e à excepção da ponte, "também ele está totalmente entregue na tutela do Ambiente, o que significa que esta parte do processo está a decorrer conforme o previsto", referiu o administrador da RAVE.Primeiro concurso em JunhoQuanto a concursos, "o definido no calendário passa pelo lançamento de um primeiro concurso para a ligação do Poceirão à fronteira com Espanha, em Junho de 2008, e de um segundo, que respeita ao restante traçado do eixo Lisboa-Madrid, ou seja, desde a capital até ao Poceirão, incluindo a nova travessia do Tejo, até ao final do próximo ano".Segundo Carlos Fernandes, e para que seja possível cumprir esta calendarização, "temos que concluir, quanto antes, os respectivos processos de avaliação ambiental e o modelo de negócio, para que o Governo os possa aprovar". Neste âmbito, "a RAVE está a desenvolver as especificações técnicas e de engenharia para os documentos de concurso, nomeadamente, as que os parceiros privados vão ser obrigados a cumprir", o que significa que "está tudo a correr de acordo com o calendário".A construção de uma rede ferroviária de alta velocidade representa um desafio mas, "em termos de engenharia e tendo em conta a capacidade nacional, não existe nenhum problema particularmente complicado de resolver", referiu.

Um dos maiores desafios será, provavelmente, a nova ponte sobre o Tejo, no corredor Chelas-Barreiro, "uma obra de engenharia marcante que, segundo o previsto, terá quatro linhas, duas para a alta velocidade e duas para a ferrovia convencional e que poderá ainda englobar o modo rodoviário, se o Governo assim o decidir".No que respeita à alta velocidade, a ponte servirá a ligação Lisboa-Madrid e, do lado convencional, "fechará o anel suburbano para a Margem Sul, nomeadamente, o Barreiro, Seixal e Setúbal, que ficará a cerca de 25 minutos de Lisboa, contra os 55 minutos actuais". De igual forma, salientou Carlos Fernandes, "a ligação de Lisboa ao Algarve, conjuntamente com o investimento que a Refer está a fazer nesta linha, será fortemente beneficiada, ao mesmo tempo que poderemos eliminar as restrições de capacidade de composições de mercadorias que existem actualmente na Ponte 25 de Abril".
Por decidir está ainda a localização definitiva da estação do TGV em Lisboa: Estação do Oriente ou Chelas. Embora, "ao longo do último ano e meio, a posição e o discurso da RAVE seja de preferência pela Estação do Oriente, tendo em conta os objectivos com que ela foi concebida", "desenvolveu-se um conjunto de estudos para avaliar a viabilidade técnica e financeira" de cada uma das alternativas. A ponderação sobre estas duas localizações não pode ser feita com base unicamente na análise financeira, "temos que considerar aspectos como as acessibilidades, por exemplo", explicou Carlos Fernandes, acrescentando que a opção pela Estação do Oriente "parece-nos, contudo, mais interessante do ponto de vista financeiro, até porque é uma obra emblemática de Lisboa e poder potenciá-la, acrescendo a alta velocidade ao uso convencional que já tem, seria muito interessante".A escolha da estação do TGV de Lisboa condicionará também os acessos da nova ponte na Margem Norte, "situações estas que estão previstas", com as ligações a serem feitas, nomeadamente, "através da Linha de Cintura".
A situação está acautelada também no que respeita ao território, "uma vez que o Governo fez já publicar a reserva de canal para a ponte, prevendo as duas possibilidades".Possibilidades para o novo aeroportoO futuro aeroporto de Lisboa é outra questão a considerar no traçado do TGV. Segundo Carlos Fernandes, "a RAVE tem que estudar soluções que permitam articular o TGV com os principais modos de transporte e, obviamente, com os grandes geradores de tráfego que são os aeroportos, facilitando o trabalho destes e da alta velocidade na sua principal função, a de ligar cidades".Quando se definiu o traçado do TGV no que concerne ao eixo Lisboa-Porto, "a solução que existia para o aeroporto era a da Ota, para onde foi prevista uma estação, que praticamente atravessa a infra-estrutura aeroportuária".
O traçado "mais interessante para ligar Lisboa ao Porto é sempre neste eixo, via Ota, o que significa que se o aeroporto for mudado, não existirá aqui uma estação". No entanto, e para contemplar outra localização do futuro aeroporto, "serão feitos acertos ao traçado, sem que isso cause grandes problemas".Caso a opção do Governo vá para Alcochete, "temos as alternativas do Poceirão ou do campo de tiro, e poderemos articular a alta velocidade com o aeroporto em "bypass" ou em ramal", uma alteração que não será significativa "para o cômputo geral do projecto do TGV".Questionado sobre a eventualidade da decisão governamental quanto ao novo aeroporto poder causar atrasos à alta velocidade, Carlos Fernandes referiu que "tal não irá acontecer, dada a nossa calendarização". No entanto, a possibilidade de surgirem alguns atrasos na implementação do TGV está contemplada. "Imaginemos que o troço da terceira travessia do Tejo, por ser uma obra muito grande, atrasava seis meses em relação ao troço em que se insere", extrapolou Carlos Fernandes. Numa situação destas, "é perfeitamente possível termos o traçado integrado com a actual linha convencional, que já passa no Poceirão, e recorrer a comboios de bitola variável, ou seja, que saem da linha de alta velocidade e entram na convencional, atravessando a Ponte 25 de Abril".
O projecto da alta velocidade "tem características relativamente rígidas quanto ao traçado", pelo que é difícil introduzir alterações, de forma a servir todos os interesses. Uma das situações onde essa dificuldade é mais evidente é nas afectações de terreno, área onde "a RAVE fez levantamentos, praticamente casa a casa, ou seja, de todas as edificações".A questão das expropriações "vai muito para além do aspecto financeiro, tem verdadeiros impactos na vida das pessoas, pelo que procurámos sempre evitá-las". Contudo, acrescentou o administrador da RAVE, "é impossível um cenário ideal, tendo em conta a ocupação que temos do território". Em qualquer que seja o traçado, sublinhou, "têm sempre que existir alternativas". Na zona de Alcobaça, "por exemplo, temos um traçado que passa mais perto do centro da localidade da Benedita, e um segundo que passa claramente fora dos limites urbanos, perto do sopé da Serra dos Candeeiros". Segundo Carlos Fernandes, esta hipótese "é vista com muito bons olhos pelo Ambiente e tem poucas implicações". Esta zona natural tem um regime de protecção especial, "uma área que actualmente tem como fronteira uma estrada nacional e essa delimitação poderá ser mudada para o espaço canal da alta velocidade, por exemplo".No caso do concelho de Alcobaça, "apresentámos uma solução com uma faixa de 40 m para cada lado da linha, que ocupa 14 m, e na qual temos que afectar um total de 17 imóveis, desde habitações até barracões e a maioria deles não será lesada, para além de que este número ainda será reduzido na fase de projecto de execução", referiu. Contudo, a decisão final "pertence sempre ao Ministério do Ambiente".
Túnel nem sempre é opção em termos ambientais, "o projecto é muito favorável", sobretudo, segundo Carlos Fernandes, "quando as expectativas nos dizem que no primeiro ano de funcionamento do eixo Lisboa-Madrid tiraremos da estrada cerca de 3,5 milhões de carros, o que implica não só uma redução das emissões poluentes, como também uma menor possibilidade de acidentes rodoviários". Ou seja, "há, naturalmente, impactos locais, nomeadamente, o ruído, embora a poluição sonora do TGV não seja tão impactante como a do comboio tradicional".A solução com menos impacto seria "seguir em túnel de Lisboa até ao Porto, mas nem sempre o túnel é uma opção a considerar, tendo em conta questões técnicas como a inclinação longitudinal necessária" que, no caso da ligação entre as duas cidades, "é da ordem dos 2,5 por cento e até Madrid ronda os 1,5 por cento", acrescentou.Uma das sugestões "que nos foi avançada para Alcobaça era uma maior aproximação com a Serra dos Candeeiros, mas isso obrigava-nos a entrar em túnel na zona montanhosa, o que significava uma estrutura muito extensa e traria impactos incomportáveis para o projecto".
De igual forma, "para construir um túnel a partir de determinada extensão é necessário edificar outras estruturas, como um segundo túnel paralelo e outro de segurança entre os dois", lembrou Carlos Fernandes, para além "dos custos associados à sua manutenção", factores que podem "encarecer assustadoramente o investimento para o projecto". No que respeita ao eixo Lisboa-Porto, "a extensão total de túneis prevista é inferior a 40 km".Coordenação com EspanhaUma vez que a rede portuguesa está interligada com a espanhola, a cooperação entre os dois países é fundamental e para isso "em 2001 foi criada a AVEP - Alta Velocidade Espanha-Portugal, cujos accionistas são a RAVE e o seu congénere espanhol, o Adif - Administrador de Infraestruturas Ferroviárias e que faz a coordenação dos eixos transfronteiriços", lembrou.No total, os dois países "têm quatro troços de alta velocidade directamente interligados: Porto-Vigo, Lisboa-Madrid, Aveiro-Salamanca e Faro-Huelva", dos quais estão em desenvolvimento os dois primeiros.Cabe à Avep "desenvolver os estudos nos troços transfronteiriços, de ambos os lados, que, no caso do de Porto-Vigo será provavelmente a ponte de ligação, enquanto o de Lisboa-Madrid ocupará cerca de 20 km do lado português e outros tantos do espanhol".
O respectivo concurso "é lançado pela Avep". No que respeita ao lado espanhol, "o modelo é diferente do nosso, sendo por empreitadas e não por PPP, portanto, há já obra no terreno".No que concerne aos eixos que ainda estão em estudo, Aveiro-Salamanca e Faro-Huelva, "as decisões dependem de Espanha, porque faz pouco sentido avançar em Portugal, quando do outro lado da fronteira não existe nada no mesmo estado de evolução", acrescentou Carlos Fernandes.Quando os primeiros eixos da rede portuguesa estiverem ligados à espanhola, poder-se-á viajar até França sempre através da alta velocidade. Para que isso seja possível, "falta apenas o troço entre Barcelona e a fronteira francesa, que deverá entrar em funcionamento em 2009, bem como um lanço de Madrid até à capital catalã, uma vez que o restante percurso entre as duas cidades espanholas já está concluído", afirmou. A França tem, aliás, "uma das maiores redes do mundo e tem previsto, para breve, o lançamento de investimentos da ordem dos 40 biliões de euros, o que representa cinco vezes toda a rede que estamos a preparar". Até agora, a implementação da rede de TGV em França "seguia, tipicamente, os modelos de empreitada", contudo, "as autoridades francesas procederam a uma alteração total do seu modelo de lançamento, tendo em conta as experiências do passado".Infra-estruturas necessáriasQuanto às estações que serão construídas de raiz e as da ferrovia convencional que podem ser aproveitadas, Carlos Fernandes lembrou que, "de acordo com o previsto, no Porto a chegada do TGV será em Campanhã, atravessando a Ponte de S. João, com as necessárias adaptações".
Já em Coimbra, "deverá ser feita uma nova estação, ligeiramente a norte de Coimbra B, que integrará o metro do Mondego, o serviço convencional e a alta velocidade". Em Leiria, "a estação será construída de raiz, a poente da cidade, uma localização defendida pela RAVE e à qual as entidades metropolitanas daquela cidade manifestaram já o seu apoio. Depois de emitida "a declaração de impacte ambiental, vamos desenvolver a articulação com a rede convencional, ou seja, nomeadamente, com a Linha do Oeste, que permitirá criar uma ligação de meia-hora entre Lisboa e Leiria e potenciar os dois serviços".Em Aveiro, "a solução mais viável foi construir uma estação fora da cidade, pois todas as outras alternativas apresentavam custos astronómicos, embora estejamos ainda a ajustar alguns pontos no que concerne à articulação com a rede convencional", já que, conforme concluiu Carlos Fernandes, "a alta velocidade não pode ser uma ilha".

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