Na sequência da presença na Feira do Livro de Barcelos do ex-ministro do Trabalho e da Segurança Social, o Cávado Jornal foi ouvir o antigo governante sobre a actual situação social do país. Bagão Félix considera que Portugal está muito endividado, que a situação económica é difícil e vai continuar. Por isso e à semelhança da actual líder do PSD, diz que o Governo deveria repensar alguns investimentos concretamente no TGV. Classifica os apoios sociais anunciados pelo Governo de “generosos” mas que são medidas que a prazo gerarão injustiças sociais.
Cávado Jornal: Como avalia a situação social que Portugal atravessa?
Bagão Félix: A situação é complicada, é difícil e vai continuar a ser. Evidentemente que há razões de fundo e de conjuntura internacional que são evidentes; o preço da energia, o preço dos bens alimentares, a crise porque está a passar a Espanha que é o nosso principal parceiro comercial. Tudo isso leva a que tenhamos que, por um lado, acautelar aspectos relacionados com o endividamento. O país está muito endividado. Normalmente em Portugal a questão do défice reduz-se ao das contas públicas. O défice mais preocupante do nosso país não é o das contas públicas, é o défice externo. O endividamento dos bancos, das empresas, das famílias face ao exterior. E até é nessa perspectiva que a questão das obras públicas mais importantes se deve colocar. Neste momento, uma obra pública além dessas como o TGV e o aeroporto são muito importantes sem dúvida mas tem que se analisar muito bem a sua relação custo/benefício, sobretudo porque parte dessas obras ainda vão endividar mais o país.
Cávado Jornal: É uma posição muito semelhante à da nova Presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite…
Bagão Félix: Acho que num momento destes é preciso pelo menos repensar algumas obras. E o aviso da Dra. Manuela Ferreira Leite nesse sentido é correcto. Repensar e reponderar. As circunstâncias em que há 4 ou 5 anos foram pensados um conjunto de investimentos são hoje muito diferentes. O mundo atravessa um problema muito grave e muito difícil.
Cávado jornal: Refere-se a algum investimento em concreto?
Bagão Félix: Por exemplo, existe um investimento que eu acho que não faz qualquer sentido que é o TGV Lisboa/ Porto para chegar 15 minutos mais cedo e depois, como nós não somos pontuais chegamos meia hora atrasos. Não faz nenhum sentido gastar milhões e milhões entre Lisboa e Porto. Ainda por cima o TGV é um comboio de alta velocidade para transporte de pessoas e não para mercadorias. Não faz sentido nenhum. Mesmo Lisboa/Madrid, todos os estudos provam que não tem rentabilidade porque tinha de ter um conjunto de milhões de pessoas que nunca atingirá seguramente. Depois provoca aquilo que eu chamo “o efeito íman” que é o forte a puxar o fraco. Num TGV entre Lisboa e Madrid o que vai acontecer é que muitas empresas vão-se deslocalizar de Lisboa para Madrid. Aliás, nós temos grandes exemplos de desenvolvimento como é o caso da Irlanda e como sabe, a Irlanda não tem quase auto-estradas. Apostou na qualificação das pessoas. Portugal é o único país da União Europeia que se dá ao luxo de ter duas auto-estradas entre as duas principais cidades do país. “Andamos muitas vezes de smoking quando deveríamos andar mais humildemente vestidos”. “Medidas sociais anunciadas pelo Governo são generosas”
Cávado Jornal: Como antigo ministro da Segurança Social, como vê as novas medidas anunciadas por este Governo?
Bagão Félix: Em primeiro lugar são medidas generosas. Tudo que seja apoiar famílias no sentido da diferenciação de beneficiar quem mais precisa, acho que é correctíssimo. O problema, em meu entender é que quando se inicia um processo destes nunca se sabe quando é que ele acaba e torna todo o sistema incoerente. O Governo teima em não reduzir os impostos sobre os combustíveis. Pessoalmente, acho que o imposto sobre os produtos petrolíferos acho que não deve ser reduzido. Agora, parece-me relativamente imoral que nós estejamos a pagar mais sobre os combustíveis e o Estado receba mais IVA sobre os combustíveis. O IVA aumenta na medida em que aumenta a matéria - prima. Não faz sentido. É imoral. Portanto, o IVA não deveria aumentar mais. Acontece que não se fazendo isso, o Governo vai aceitando, com melhor ou pior vontade, os resultados das contestações dos grupos organizados. Quem fica de fora são aqueles que infelizmente não tem poder reivindicativo. Os pensionistas, os reformados, os pequenos e médios empresários, etc. E portanto, aquilo que são medidas generosas do ponto de vista social acabam por ser medidas que a prazo gerarão injustiças sociais.
Cávado Jornal: Que análise faz da entrevista dada pelo Primeiro-ministro à RTP?
Bagão Félix: No que respeita às medidas anunciadas penso que são pequenos remendos. Generosos mas parcelares e que perdem coerência a prazo.
Autor: Cávado Jornal - Fonte: interna - Quarta-feira, 09 de Julho de 2008 - 09:17:07
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